Por maioria, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso da defesa para restabelecer decisão de primeiro grau que, no próprio ato de recebimento da denúncia, promoveu a desclassificação da conduta imputada a nove policiais civis.
O colegiado levou em conta a jurisprudência segundo a qual o juízo, nesse momento processual, pode emendar a acusação (emendatio libelli) caso isso represente algum benefício para o réu. Com a desclassificação da conduta dos acusados, de tortura para abuso de autoridade, foi reconhecida a prescrição do crime.
Segundo o processo, durante revista no interior de uma cadeia, os policiais apreenderam celulares, carregadores, estiletes e porções de drogas. As presas se amotinaram e renderam um carcereiro, fazendo-o refém. Na tentativa de conter a rebelião, os policiais teriam agredido e ferido várias detentas, com chutes, golpes de cabo de vassoura e tiros de borracha.
Para TJSP, juízo violou o disposto no CPP sobre o momento da desclassificação do crime
Os nove agentes foram acusados de tortura pelo Ministério Público (MP). No ato de recebimento da denúncia, porém, o juízo modificou a tipificação penal da peça acusatória, por entender que ficou caracterizado o crime de abuso de autoridade, mas não o de tortura, uma vez que os policiais deixaram de usar os meios moderadamente necessários para conter a rebelião.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento ao recurso do MP sob o fundamento de que, nessa fase, seria vedado ao magistrado ajustar as condutas descritas na denúncia ao tipo penal que entende mais adequado. Para o TJSP, com tal conduta, o juiz estaria usurpando a função constitucional do MP e violando o disposto no Código de Processo Penal (CPP) sobre o momento em que lhe é possível promover a desclassificação.
No STJ, o ministro Antonio Saldanha Palheiro, em decisão monocrática, negou provimento ao recurso especial dos policiais, por considerar que os fatos retratados na denúncia não permitem afastar a ocorrência do crime de tortura.
No crime de tortura-pena, o agente deve ter o objetivo de aplicar castigo pessoal
Contra essa decisão, a defesa interpôs agravo regimental, sob a alegação de que a emenda à acusação pelo magistrado se mostrava possível, pois implicaria a mudança de rito processual e um tratamento mais benéfico aos denunciados.
O ministro Rogerio Schietti Cruz, cujo voto prevaleceu no julgamento, observou que o tipo penal definido pela doutrina como tortura-pena, ou tortura-castigo, requer intenso sofrimento físico ou mental, além do objetivo de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Ele destacou que a narrativa da acusação não descreve, de modo expresso, o intenso sofrimento físico das vítimas e o objetivo de aplicar castigo pessoal a elas. “Como o Ministério Público foi expresso ao afirmar que os agentes extrapolaram os meios moderadamente necessários, entendo correta a conclusão do juízo singular, de que a conduta descrita poderia, quando muito, se adequar aos tipos penais dos artigos 3º e 4º da Lei 4.898/1965, vigente à data dos fatos”, declarou o ministro.
Desclassificação em primeiro grau permitiria a obtenção de benefícios
Schietti ressaltou que a desclassificação da conduta no ato de recebimento da denúncia só é admitida pela jurisprudência do STJ em situações excepcionais, quando evidenciado que a alteração traz reflexos na competência do juízo ou na obtenção de algum benefício previsto em lei.
“Na hipótese dos autos, a desclassificação operada pelo magistrado de primeiro grau permitiria a obtenção de benefícios exclusivos dos delitos de menor potencial ofensivo, diante da reprimenda prevista em abstrato para o crime de abuso de autoridade (detenção, de dez dias a seis meses)”, concluiu o ministro ao dar provimento ao agravo regimental.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1201963
STJ