A 4ª Turma Cível do TJDFT determinou que a produtora Jorge Oliveira da Silva Comunicação Consultoria E Marketing (JCV – Produção Editorial) divulgue o nome de Maione de Queiroz Silva e sua participação como diretora no registro audiovisual das entrevistas da psiquiatra brasileira Nise da Silveira, utilizadas no documentário “O olhar de Nise – A Psiquiatria das Imagens do Inconsciente”. A correção deve ser incluída em errata nas cópias ainda não distribuídas e em publicação destacada, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação, nos domicílios do réu e da autora.
No recurso, a autora alega que os réus infringiram direitos autorais relativos à gravação audiovisual de entrevista, feita nos anos 1990, que teve cerca de 18 minutos inseridos no documentário, realizado pela produtora ré e dirigido por Jorge Oliveira da Silva. O material teria sido cedido indevidamente, sem o seu consentimento, pelo segundo réu, José Ronaldo Lopes Duque, que acompanhou as gravações na época. Afirma que a gravação da entrevista foi feita por iniciativa sua e sob sua direção. Lopes Duque teria apenas prestado auxílio técnico ao projeto, com o envio de cinegrafista e câmera de filmagem e, depois, teria se recusado a devolver as fitas originais.
A autora contesta os depoimentos prestados em Juízo e ressalta que tinha relacionamento pessoal com Nise, circunstância decisiva para que o projeto fosse realizado. Por último, sustenta que não podem ser confundidos os conceitos de coautoria e prestação de auxílio na execução e produção da obra intelectual, pois não demandam esforço criativo. Além disso, a aquisição do original de uma obra não confere ao adquirente os direitos patrimoniais do autor. Diante do exposto, solicitou danos emergentes e lucros cessantes, divulgação ostensiva da sua identidade como autora e esclarecimento que houve utilização não consentida de sua obra no documentário, bem como pagamento de danos materiais e morais, fruto das violações de direitos autorais.
A produtora JCV afirma que não há qualquer elemento que permita atribuir autoria da obra à autora. Segundo a ré, a autora não dirigiu, tampouco orientou qualquer das conversas com a psiquiatra. Considera que a Maione “quer emprestar à alegada amizade que guardava com a Dra. Nise ares de autoria de obra audiovisual”. Informa que obteve com a família da entrevistada o termo de cessão onerosa de direitos autorais referentes à entrevista. Por fim, relata que a Asacine Produções, corré, foi a única responsável pela captura das imagens da médica, que ocorreu como um bate-papo e que a autora teve permissão para estar presente. Sendo assim, como a Asacine teria os direitos autorais da filmagem para ceder, não há que se falar em violação a direitos autorais, muito menos em indenização por danos morais ou materiais.
Ao analisar o caso, o Desembargador relator observou que a autora não demonstrou o registro da obra que alega ser sua. Além disso, não prospera a tese de que, como diretora da obra, seria a sua autora exclusiva, já que houve inegável participação das empresas Provídeo Cinema e Televisão (pertencente a José Ronaldo Lopes Duque) e Asavídeo (do falecido produtor e diretor Márcio Curi) no projeto. No entanto, “embora se mostre correta a análise da sentença de 1ª instância, no sentido de que ‘o que se observa dos autos é que a obra possivelmente fora realizada em coautoria/parceria, em que se teve a contribuição de várias pessoas’, não se sustenta integralmente a conclusão no sentido da total improcedência dos pedidos veiculados”, avaliou.
A partir dos depoimentos das testemunhas, o colegiado entendeu que a autora realmente teve um papel central na realização da entrevista com Nise da Silveira, ao idealizar e solicitar auxílio a Márcio Curi, que, por sua vez, recorreu a Ronaldo Lopes Duque para a parte técnica. Em depoimento, o assistente de direção deixou claro que a direção da entrevista coube à autora e todo o diálogo foi conduzido a partir das anotações dela.
Com isso, os desembargadores concluíram que a entrevista ocorreu por iniciativa da apelante (autora) e sob sua organização, o que comprova sua contribuição criativa para que se viesse a registrar aquele depoimento. “Tais circunstâncias não lhe atribuem a titularidade exclusiva da obra videofonográfica, que, sem a contribuição das citadas empresas, não teria sido realizada – ao menos não naquela oportunidade e com aqueles recursos”. De acordo com a Turma, os materiais permaneceram legitimamente com Lopes Duque, que havia custeado parte considerável da produção e a autora não conseguiu demonstrar que pediu a entrega dos originais, nem que esse pedido tenha sido negado.
Diante dos fatos, os magistrados destacaram que se deve observar o artigo 16 da Lei 5.988/73, vigente à época, segundo o qual “são coautores da obra cinematográfica o autor do assunto ou argumento literário, musical ou literomusical, o diretor e o produtor”, o que abrange as duas empresas de produção mobilizadas. A mesma norma, bem como a Lei 9.610/98, dispõem que constitui direito moral do autor ter seu nome indicado ou anunciado na utilização da obra. A violação de tal direito deve ser reparada pela divulgação ostensiva, independentemente da aferição de culpa ou dolo, como restou determinado na decisão.
“Como houve cessão gratuita de material de relevância para o projeto de documentário concernente a pessoa de prestígio na cultura nacional, ainda que se trate de produção comercial, não se verifica ato ilícito do coautor que detinha a posse das fitas e sequer tinha comprovada ciência de quem tinha sido a diretora ou de sua intenção de utilizá-las para fim diverso”, verificou o relator. “Não havendo ato ilícito de qualquer dos réus, improcede a pretensão de reparação pelos direitos patrimoniais ou danos morais da diretora, que se manteve inerte em publicar a obra por longo período”.
Acesse o PJe2 e confira o processo: 0712242-48.2018.8.07.0001
TJDFT