Um motorista de aplicativo teve reconhecido o vínculo de emprego com a Uber do Brasil Tecnologia LTDA., na forma do art. 452-A da CLT. A empresa foi condenada ao pagamento de férias + 1/3, 13º salário, FGTS, observando-se a modalidade de contrato intermitente.
A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Em sessão de julgamento presencial no dia 4/7, os desembargadores acompanharam, de forma unânime, o voto da relatora, desembargadora Ana Paula Tauceda Branco.
O juízo de primeiro grau havia julgado improcedente o pedido. O reclamante recorreu, buscando a reforma da sentença, com o reconhecimento do vínculo empregatício e, por consequência, a anotação da CTPS e pagamento das verbas correlatas.
As alegações do motorista
Na reclamação trabalhista, o motorista alegou que iniciou as atividades na Uber em 6/10/16, realizando jornadas diárias de trabalho, de acordo com a demanda ofertada pela empresa, em horários variáveis, com remuneração média semanal de R$ 300,00.
O reclamante apontou para a presença de todos os elementos da relação de trabalho. Disse que há necessidade de cadastro, com entrega de dados pessoais, antecedentes criminais e outras informações (pessoalidade); que recebe de acordo com as corridas realizadas, sobre as quais é cobrada taxa pela empresa nunca inferior a 25% (onerosidade); e que as atividades são realizadas de acordo com as demandas dos clientes, com subordinação por programação ou algorítmica (não-eventualidade).
O que diz a empresa
E sua defesa, a Uber argumentou que é uma empresa de tecnologia e não explora atividade empresarial de transportes. E sustentou que a relação jurídica com o motorista é de natureza comercial, inexistindo relação de trabalho.
A empresa negou a existência de subordinação, alegando que cabe ao motorista escolher quando e como prestará seus serviços.
Valor social do trabalho
Ao relatar seu voto no recurso ordinário, a desembargadora Ana Paula Tauceda Branco cita um dos princípios constitucionais e fundamentos da república, o valor social do trabalho, “que deve ser o eixo condutor de atos e contratos pactuados tanto entre particulares, quanto pelo Poder Público”.
“…estou convencida de que no Direito Constitucional do Trabalho, deve ser reconhecida a vulnerabilidade dos trabalhadores da indústria 4.0, seja de modo a estabelecer garantias contratuais nos pactos que firmam, seja tendo como parâmetro as normas mínimas estabelecidas na Carta da República, como são os direitos fundamentais sócio-trabalhistas constantes do rol do art. 7º”.
Tauceda reconhece a divergência jurisprudencial sobre o tema, mas adota o entendimento firmado por outros tribunais quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego. Cita acórdãos do TRT da 1ª Região e o recente entendimento firmado pela 3ª Turma do TST.
Requisitos
A relatora verificou a presença dos quatro requisitos necessários à configuração da relação jurídica empregatícia, de acordo com a regra prevista no art. 2º da CLT. São eles:
Pessoalidade, verificada a partir do cadastro do motorista disponível no aplicativo, onde é possível ao passageiro identificá-lo pela foto.
Onerosidade, confirmada pela exigência do cumprimento de metas e do estabelecimento unilateral do valor da corrida de acordo com o trajeto contratado.
Não-eventualidade, pois os serviços prestados pelos motoristas são essenciais para o desenvolvimento da atividade econômica da empresa, restando superado o paradigma da temporalidade.
Quanto à subordinação, a magistrada ressalta que as novas relações advindas da indústria 4.0 necessitam de mais de uma releitura, e adota o conceito de “subordinação jurídica disruptiva”, desenvolvido pelo juiz do TRT-17 Fausto Siqueira Gaia, na defesa de sua tese de doutorado:
“A empresa detentora do aplicativo de transporte exerce a gestão e o controle das viagens por meio de algoritmos, definindo o preço, eventuais descontos e qual motorista receberá o chamado, podendo, inclusive, exercer o poder disciplinar, excluindo ou suspendo determinados trabalhadores de sua plataforma.”
Contrato intermitente
Como o pedido do reclamante se refere ao reconhecimento do vínculo de emprego na forma do art. 452-A da CLT, que apenas foi instituído pela Lei 13.467/2017, a declaração do vínculo empregatício deverá ocorrer a partir de 11/11/17.
O acórdão foi publicado no dia 13/7/22. Cabe recurso.
Processo 0000731-50.2021.5.15.0005
TRT17