Após empresa hoteleira tentar relacionar como causa de suposto atrito entre uma auxiliar de cozinha e o chefe direto ao perfil comportamental da trabalhadora, a Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região manteve a condenação em reparação por danos morais da rede hoteleira à auxiliar de cozinha. O valor da indenização será de R$3 mil. Para o colegiado, ficou comprovado o assédio moral vivenciado no ambiente de trabalho pela empregada, que era ofendida e maltratada pelo chefe na presença de outros funcionários e as penalidades impostas pela chefia geral ao trabalhador não geravam efeitos.
A relatora, desembargadora Rosa Nair Reis, observou a conclusão do Juízo da Vara do Trabalho de Caldas Novas (GO) pela existência de prática de assédio moral pela rede hoteleira em face da trabalhadora. Por isso, condenou a empresa ao pagamento de reparação por danos morais. Para reverter essa condenação, a rede recorreu ao tribunal, alegando que não teria praticado nenhuma conduta ilícita.
Reis explicou que o assédio moral em ambiente de trabalho é toda e qualquer conduta abusiva manifestada em comportamento, palavras, atos, gestos e escritos provocando dano à personalidade, à dignidade, à integridade física ou psíquica de uma pessoa. A desembargadora realçou a desnecessidade da vítima em provar a efetiva existência do sofrimento, bastando a comprovação dos fatos que lesaram o patrimônio moral. “A prova do fato gerador do dano moral, o ato ilícito, no entanto, deve ser robusta”, pontuou.
A desembargadora salientou o pedido da trabalhadora para ser reparada por danos morais devido ao tratamento ofensivo dentro do ambiente de trabalho, em decorrência do ambiente insalubre pelo frio, calor e excesso de peso e, por fim, pela ausência de emissão das guias do seguro-desemprego. Em relação à insalubridade, a desembargadora disse que, embora constatada a existência, a circunstância, por si só, não enseja a indenização pretendida. Reis explicou que os reflexos financeiros da omissão patronal relativa ao pagamento do adicional pertinente já foram contemplados na sentença. Em relação às guias do seguro-desemprego, a rede hoteleira utilizou a modalidade da ruptura contratual por motivo de força maior.
Todavia, ao analisar o pedido de reparação em relação ao tratamento ofensivo dentro do ambiente de trabalho, a relatora considerou os fatos constantes na ação trabalhista no sentido de que a auxiliar era habitualmente ofendida e maltratada pelo superior hierárquico direto, que a ela destinava expressões ultrajantes como rapariga, sem vergonha, incompetente, dentre outros impropérios lançados, tudo em elevado tom de voz e até no ambiente do restaurante durante o almoço, na presença de funcionários do seu setor e de outros da empresa, sendo que a chefia geral tinha conhecimento de tudo e não tomava nenhuma providência.
A magistrada considerou que as provas testemunhais confirmaram o tratamento diário desrespeitoso dispensado à trabalhadora, além de episódios de choro da empregada em relação a tais eventos e o fato dos colegas não saberem explicar a razão desse tratamento, esclarecendo que isso se dava apenas em relação à auxiliar. A relatora avaliou, ainda, a informação do superior nos autos que afirmou que a empregada era uma pessoa difícil de lidar e explosiva, o que não ocorria o mesmo com os demais empregados. Disse também que, devido às reclamações da trabalhadora quanto ao seu comportamento, já teria tratado do assunto com supervisores e com a subordinada tanto conjuntamente quanto de forma separada. Negou ter xingado a empregada.
Para a desembargadora, diante das provas, ficou demonstrada a prática de assédio moral. Reis assinalou a gravidade da postura do superior direto ao se identificar a natureza dos termos por ele utilizados, todos relacionados à vida íntima da trabalhadora, como a família e as relações afetivas. “A justificativa baseada na ideia de que se tratava de mera ‘brincadeira’ nada mais é senão uma tentativa conveniente de tornar legítima a manifestação da depreciação, do preconceito e do machismo”, afirmou a relatora.
Rosa Nair Reis salientou o contexto em que a resistência do empregado comumente se revela mitigada pela relação de subordinação, quando normalmente se espera – em especial, quando o alvo do desrespeito é uma mulher, tolerância, ponderação e calma. A relatora considerou as declarações de duas testemunhas que depuseram no sentido de descrever o perfil ‘mais nervoso’, ‘acelerada’, ‘difícil de lidar’, ‘explosiva’ da trabalhadora. “Ora, o que esperar de uma empregada, mulher, mãe, agredida verbal e sistematicamente no seu ambiente de trabalho com palavras de baixo calão e de cunho sexual?”, questionou a desembargadora ao considerar que a ideia de reação exagerada ou desproporcional só reforça a agressão e o preconceito embutido.
A relatora analisou a tentativa de problematizar o perfil comportamental da autora no sentido de sugerir uma inversão de valores quando, diante das agressões verbais contínuas, do desequilíbrio emocional resultante, com episódios de choros narrados nos autos e da ineficiência pedagógica das penalidades aplicadas ao agressor, esperava-se que a auxiliar mantivesse uma postura ‘menos nervosa’, ‘menos explosiva’. Para a magistrada, o raciocínio não seria lógico, uma vez que as reações comportamentais advindas das constantes agressões não devem ser utilizadas como justificativa para a origem do conflito.
Reis considerou frustrada a tentativa patronal, ainda que no plano probatório, de relacionar a causa do “atrito” entre a trabalhadora e o superior hierárquico direto ao comportamento da empregada tanto pelas provas sobre o tratamento desrespeitoso ocorrido no ambiente de trabalho quanto à transigência da empresa. A relatora, por fim, negou provimento ao recurso da rede hoteleira para manter a condenação por reparação de danos morais, no valor arbitrado na origem de R$ 3 mil.
Processo: 0010490-28.2021.5.18.0161
CG/JA
TRT18